Vox nostra resonat

A guitarra na Galiza

A guitarra plebeia de Montes

Isabel Rei Samartim
jueves, 7 de octubre de 2021
Juan Montes, «6 Baladas gallegas» © Dominio Público Juan Montes, «6 Baladas gallegas» © Dominio Público
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Ainda que João Montes Capom (Lugo, 1840-1899) não deixou, que saibamos, nenhuma obra composta para guitarra, este foi um instrumento que o acompanhou toda a vida. O seu biógrafo, Juan Bautista Varela de Vega (1990), achou boas razões para pensar que o avô materno de Montes, José Angel Capom, era cirurgião menor, barbeiro e, portanto, guitarrista (p. 42-43). 

Segundo conta Indalecio Varela Lenzano, discípulo de Montes, o maestro tocava uma guitarra sendo estudante, coberto pelas mantas para não ser apanhado, na temporada que passou no Seminário de Lugo onde aproveitava os tempos livres "para comprobar el efecto y corrección de los acordes" (p. 68).

A Estudantina Lucense

No Seminário, Montes aprendia teologia, solfejo e harmonia tudo a um tempo. Mais tarde, já conhecido como compositor e regente da Banda de Música, ajuda a fundar a Estudantina de Lugo em setembro de 1878 (Varela, 1990, p. 209). Montes e Seoane, outro aluno dele, seriam os regentes artísticos. Esta orquestra de plectro e vozes fica conformada com uns setenta membros e duas secções, a instrumental com 36 membros e o coro, dividido em primeiras e segundas vozes com aproximadamente 40 membros. A secção instrumental compunha-se de 8 violinos, 12 guitarras, 2 bandurras, 6 flautas, 2 pares de castanholas, 2 triângulos e 4 pandeiretas. 

A sua primeira atuação seria na semana das festas do S. Froilão que se celebrariam no mês de outubro seguinte. Montes compôs várias obras para a Estudantina que tocam o 4 de outubro de 1878 pelas ruas lucenses. A Estudantina sai a receber Pascual Veiga e o Orfeão Corunhês, que também atua nas festas, ali toca uma mazurca composta por Montes. Nas semanas seguintes colabora com a Banda Municipal enviando membros da secção de percussão.

Mais tarde a Estudantina vai à Corunha, convidada por Veiga, onde se encontram com a homónima compostelana e tocam a mazurca de Veiga, A los doce años. Os lucenses costumam ensaiar no Casino e preparam-se para participar no certame que se convoca em 1879 no Ferrol. Mas no mês de maio a Estudantina dissolve-se para conformar, com grande parte dos seus membros e Montes à cabeça, o Orfeão Lucense, que ganhará o primeiro prémio no certame ferrolano.

A partir daí a história da Estudantina Lucense é irregular, com dissoluções e refundações sucessivas. Em 1884 reapareceu dirigida por Juan Latorre (El Eco de Galicia, 1884). Em 1885 era dirigida pelo violinista José Maria Carracedo, discípulo de Montes, para participar nas festas do Entrudo desse ano com saídas programadas a Sárria, Monforte e Ourense. Voltou na temporada 1888-1889, que é o grande momento do orfeão e de Montes (Varela, 1990, p. 226). De novo Carracedo reorganizou a Estudantina Lucense em 1892 fazendo uma gira por várias cidades galegas em cujo transcurso ganham um fã, um estrangeiro chamado Robert May, que assistiu a todos os eventos e cuja paixão chegaria até à imprensa de Montevidéu (p. 233-235).

Quando Indalecio Varela Lenzano descreve a casa de Montes, onde ensaiava uma autêntica capela de música alternativa à da catedral, não se esquece de lembrar que tinha 

pendiente de la pared, la plebeya guitarra de los acompañamientos, bien acordados, que amenizaban las arideces del solfeo (Varela, 1990, p. 246). 

Tuna Compostelana em Coimbra, 1888. © by Blog Além Tunas.Tuna Compostelana em Coimbra, 1888. © by Blog Além Tunas.

O destino quis que Montes morresse no dia do seu santo, na noite de S. João. Entre o 23 e o 24 de junho de 1899, um grupo de guitarras que rondava pelas ruas lucenses foi-lhe felicitar a onomástica. Ele achava-se já doente no seu quarto onde pouco depois faleceria em companhia da sua irmã e sobrinha (p. 556).

Sociedades com Montes

Em Lugo registam-se a Sociedade Filantrópica El Fomento de las Artes (El Heraldo Gallego, 1879) e várias orquestras de plectro desde 1892, algumas delas dirigidas por Andrés Varela Ramos (1894), Manuel Iglesias (1896) e Antonio Otero (1899). Los Marineros foi um grupo eventual formado para o Entrudo de 1895. As orquestras mais estáveis foram La Juventud (1892-1894) e a Estudantina Lucense (1878-1899), que depois seria a orquestra do Casino.

Mas já devia de haver orquestras de plectro em Lugo antes de 1879. Além dos músicos da Capela da catedral, é interessante o testemunho de um dos alunos de Montes, que conta a história de Miguel Chiva, aluno do Seminário do que já se tem notícia em 1866 (Eco de Galicia, 1890). Chiva era um organizador de qualquer tipo de reunião social. Aprendeu guitarra e violino e tinha uma bela voz de tenor. 

Antes de qualquer sociedade filantrópica, Chiva já organizava sozinho o Entrudo e demais festas populares, participava como guitarrista nos serões burgueses, dirigia coros, compunha canções e desenvolveu-se como cantor ao entrar como aluno de Montes. Vemos aqui que, além de promover os conjuntos musicais, se já havia atividade musical de conjuntos motivada pelas festas populares, as Sociedades Filarmónicas favoreciam a estabilidade destes agrupamentos.

Concertos de Montes com guitarristas

Pieza enlazada

No artigo dedicado a Miss Zaida falamos do recebimento de Montes em 14 de novembro 1893 e de como o pianista do Círculo das Artes acompanhou a virtuosa bandurrista logronhesa, costume que havia em Lugo de receber assim as figuras da música que passavam pela cidade.

Quando o grande guitarrista cego Antonio Jiménez Manjón chegou em Lugo, em julho de 1886, partilhou recital com Montes e os seus colaboradores, Alonso e Latorre. No Círculo das Artes os conhecidos músicos lucenses abriram a primeira e segunda parte do recital, em que soou o trio de harmónio, piano e violino, para depois dar começo a intervenção do guitarrista (El Lucense, 1886a). Dous dias mais tarde anunciava-se um novo recital com o sexteto de Montes no Casino (El Lucense, 1886b).

Pieza enlazada

Também o eminente Parga tocou três concertos em Lugo, sendo o último para o Orfeón Gallego de Montes, de quem recebeu a partitura da conhecida balada As lixeiras anduriñas, com letra de Salvador Golpe, que no ano a seguir seria premiada no Certame musical da Corunha (El Lucense, 1889). 

Uma versão das seis baladas de Montes mais as oito canções para voz e piano sobre poemas de Rosália, de J. A. Moreno Fuentes, podem ouvir-se no disco Que bela te deu Deus! (Dos Acordes, 2014), interpretadas por Esperanza Iglesias, soprano, e Aurelio Chao, piano, com os textos adaptados à norma internacional do Galego pela autora deste trabalho.

Retorno da Estudantina em 1898

A Estudantina Lucense, também conhecida por orquestra de plectro do Casino de Lugo, tocou o dia 20 de novembro de 1898 na velada benéfica organizada pela Cruz Vermelha. O repertório estava formado por uma Gavota de Luigi Arditi (1822-1903) e o conhecido Minuetto de Luigi Boccherini (1743-1805). Era um grande evento ao qual estavam convidadas várias das instituições da cidade como o Círculo das Artes, o Casino, a Câmara de Comércio, o Governo Civil e, entre elas, a Sociedade La Rondalla (Eco de Galicia, 1898) que vinha a ser o órgão associativo da orquestra de plectro (Varela, 1990, p. 524).

O recital foi protagonizado por uma afortunada maioria de mulheres músicas como Julia de la Mota, Isabel Fernández, Albina Hidalgo e a sua irmã, Teresa e Josefa Garcia, a Sra. de Pons de Doña e a sobrinha de Montes, Asuncion Montes (1862-1942), excelentes pianistas. Também houve leitura de poemas e tocou a banda de música militar do Regimento de Luzon, estabelecido em Lugo, a atuação do tenor Manuel Barreira, o duo de cítara e guitarra formado pelos senhores Álvarez e Rodríguez, o próprio Montes e o seu aluno e violinista, José Maria Carracedo, que depois o precederia na direção do orfeão e, como já foi dito, também chegaria a dirigir a Estudantina (Varela, 1990, p. 159 e 226).

Deste evento publicaram-se anúncios em vários jornais como El Lucense, El Regional e La Idea Moderna, e produziram-se várias resenhas no Eco de Galicia e El Regional. Foi um sucesso muito comentado e também seria a última atuação em público da aluna e sobrinha de Montes, Asunción, antes de deixar os concertos por causa de contrair matrimónio. Este foi também um dos últimos recitais do próprio Montes, que falecerá no ano a seguir.

Apontamentos do repertório de Montes na guitarra

Germam Lago Durão. © by Instituto de Estudos Miñoranos.Germam Lago Durão. © by Instituto de Estudos Miñoranos.

Depois da morte de Montes, que coincide no mesmo ano que a do guitarrista Parga, a sua música continua a ser tocada e as orquestras de plectro galegas que nas primeiras décadas do século XX estão em plena efervescência, a interpretam como emblema de galeguidade. Aqui escolhemos uns exemplos dentre o número de agrupamentos e arranjos que se tocaram no século XX sobre obras de Montes. Na Havana, Francisco Rodriguez Carballés (Viveiro, 1862 - ?) renova o repertório do seu grupo de plectro do Centro Galego arranjando O pensar do galeguiño, com letra de Aureliano J. Pereira e também com obras da sua própria autoria (Almuinha, 2008, pp. 96-97).

Disco da gravação da Balada de Montes pela Orquestra Ibérica de Madrid dirigida por German Lago (Barcelona: Odeón, 1930). © by Alejo Amoedo.Disco da gravação da Balada de Montes pela Orquestra Ibérica de Madrid dirigida por German Lago (Barcelona: Odeón, 1930). © by Alejo Amoedo.

Em 1915, Lago organiza a orquestra do Centro Hijos de Madrid, com a que estreia a Balada de Montes e Os teus ollos de Chané arranjadas para orquestra de plectro. (Amoedo, 2019, p. 131). Lago também gravou com a Orquesta Ibérica as obras de Montes Negra Sombra e Muiñeira.

Ao longo do século XX, a Negra Sombra de Montes/Rosália foi a peça mais tocada pelas orquestras de plectro galegas, que nessa altura já se enfrentam ao controle da ditadura franquista. Para outro artigo fica uma análise do repertório na música galega durante as décadas centrais deste século, que parece reduzir-se a três ou quatro peças galegas, sempre as mesmas, tocadas como complemento ou carta de origem em repertórios cada vez mais cheios de música de autores espanhóis.

Lojas com música de Montes à venda

As lojas de música que chamaram a nossa atenção por terem guitarras e outros cordofones dedilhados à venda, e os seus acessórios, também ofereceram informações sobre a venda de obras de Montes. Durante um ano aparecerá a publicidade das obras de Montes no jornal El Correo de Lugo com um bom número de títulos. Os pontos de venda eram dous, um deles no armazém de música de Canuto Berea na Corunha, e o outro na perfumaria de Ubalda Ulloa, anunciada como a Sra. Viúva de Seoane (El Alcance, 1889; El Correo de Lugo, 1899). Também em Compostela, na loja de Manuel Penela Asorey, que tinha tratos com Canuto Berea, vendiam-se as obras de Montes como a Alborada e a Muiñeira (Gaceta de Galicia, 1891).

Bibliografia

Almuinha, R. P. (2008). A la Habana quiero ir: los gallegos en la música de Cuba. Santiago de Compostela: Sotelo Blanco.
Amoedo Portela, A. (2019). El piano en la obra de Reveriano Soutullo Otero (1880-1932). Tese de doutoramento. Valência: Facultat de Belles Arts. Universitat Politècnica de València.
Eco de Galicia. Diario de la tarde (1890). Lugo: 12 de março, pp. 2-3
Eco de Galicia. Diario de la tarde (1898). La Cruz Roja. Lugo: 16 de novembro, p. 2
El Alcance (1889). Santiago de Compostela: 13 de janeiro, p. 4
El Correo de Lugo (1899). Obras musicales del maestro compositor Juan Montes. Ferrol. Lugo: 1 de agosto, p. 4
El Eco de Galicia. Revista semanal de ciencias, arte y literatura. (1884). Havana: 4 de maio, p. 5
El Heraldo Gallego (1879). Correspondencias de Galicia. Ourense: 20 de janeiro, pp. 3-4
El Lucense (1886a). Lugo: 13 de julho, p. 3
El Lucense (1886b). Lugo: 15 de julho, p. 3
El Lucense (1889c). Un rato á música. Lugo: 29 de outubro, pp. 2-3
Gaceta de Galicia (1891). Santiago de Compostela: 3 de setembro, p. 3
Moreno Fuentes, J. A./ Montes, J. (2014). Que bela te deu Deus! Balada galega. Baiona: Dos Acordes. CD e libreto. Intérpretes: Esperanza Iglesias, voz, e Aurelio Chao, piano.
Varela de Vega, J. B. (1990). Juan Montes. Un músico gallego. Corunha: Deputación Provincial.
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