Vox nostra resonat

A guitarra na Galiza

As orquestras de plectro na Galiza (1)

Isabel Rei Samartim
jueves, 14 de octubre de 2021
La casa de la Troya © 1915 by Librería de la Viuda de Gregorio Pueyo La casa de la Troya © 1915 by Librería de la Viuda de Gregorio Pueyo
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As orquestras de guitarras, de bandolins, de plectro, que na Espanha se conhecem popularmente por rondallas, surgem no século XIX por toda a Galiza em número tão indeterminado quanto elevado, ao abrigo das sociedades filantrópicas e com o reforço dos estabelecimentos educativos para invisuais. É a partir da década de 1870 quando aparecem melhor documentadas. 

Na Galiza o termo rondalla pode significar qualquer grupo musical que toca pelas ruas e não se usa sempre para referir os grupos de cordofones, por isso aqui escolhemos o nome de orquestras ou grupos de plectro, ou orquestras de guitarras/violas, que em Portugal também se conhecem por grupos de bandolins, em cujas formações cabem também violinos, flautas, clarinetes, contrabaixos e percussões.

Estas orquestras, formadas por músicos amadores, em muitos casos operários e trabalhadores de ofícios gremiais, funcionarão como instrumento de formação de grandes músicos galegos como Reveriano Soutullo ou Germán Lago. Dentro dos grupos populares também existem os formados por guitarras com flautas, violinos e acordeões. Todos estes agrupamentos vão desenvolvendo um repertório galego próprio e costumes performativas, como a prática de fazer uma seleção dos melhores intérpretes em pequenos grupos de câmara e solistas, para completarem os recitais com um toque do elemento mais virtuosístico.

Em Compostela

Pelo último terço do século XIX registam-se em Compostela várias orquestras de plectro: a dirigida por Santiago Tafall em 1879, a Rondalla Regionalista (1891-1892), a do Seminário (1895-?), a do Recreio Escolar (1891-1899), a dirigida por Echevarri (1892), a dirigida por Laureano Villaverde (1897) e a do Círculo Mercantil (1898). 

Estes agrupamentos costumam evidenciar as redes de músicos, amizades e rivalidades que existiam nas cidades galegas em torno à atividade musical. Em cada cidade estas redes tinham um desenvolvimento próprio, ainda que partilhavam os fundamentos da sua relação: os lugares de aprendizagem musical e os de reunião para ensaios e concertos. 

Tuna compostelana de 1888, presidida por Otero Acevedo e dirigida por Pepe Curros. © by lacasadelatroya.com .Tuna compostelana de 1888, presidida por Otero Acevedo e dirigida por Pepe Curros. © by lacasadelatroya.com .

Em Compostela, os músicos reuniam-se em torno da academia da Sociedade Económica, no âmbito da Universidade em torno da organização das tunas universitárias, no âmbito dos orfeões em torno das festas populares e os certames, e para a música de câmara, em torno dos cafés e teatros (Baliñas, 1993). Também importantes eram as atuações dos admirados músicos invisuais da Escola de López Navalón, cujo diretor era um membro destacado da sociedade compostelana.

Uma das primeiras orquestras de plectro que documentamos é aquela que costuma partilhar eventos com o Orfeão Valverde, em Compostela, e que estava dirigida por um jovem Santiago Tafall Abad, filho do organeiro da Catedral, que depois seria um dos grandes musicólogos galegos (Gaceta de Galicia, 1879). 

Pieza enlazada

Um ano antes teve lugar o sucesso em Paris da Estudiantina espanhola (DdL, 1878), a qual estava formada por elementos galegos como o mindoniense José Castañeda. Não seria estranho que, sendo a Tuna Compostelana das primeiras em se conformar na península, a Estudiantina espanhola se valesse de elementos da galega. Castañeda foi um dos guitarristas que dirigiu diversas orquestras de plectro no começo do século XX.

Alejandro Pérez Lugín, «La casa de la Troya». © Dominio público.Alejandro Pérez Lugín, «La casa de la Troya». © Dominio público.

Álvaro Soto Ogando foi um violinista e regente compostelano, um dos companheiros novelados pelo escritor Pérez Lugín no conhecido romance La Casa de la Troya (1915). Em 1891 era um dos violinistas da Tuna compostelana junto com Mariano Fernández Tafall (Gaceta de Galicia, 1891). 

Entre 1891 e 1893 Soto foi regente da Rondalla Regionalista, orquestra de plectro de dezanove membros apresentada para o Entrudo de 1891 e presidida por Madriñán (La Patria Gallega, 1891). Com ela interpretam a Alborada de Veiga, partes de A Flauta Mágica de Mozart, várias moinheiras, entre elas La Alfonsina de Canuto Berea, polcas, mazurcas, jotas e as obras de Soto, Serenata e Capricho, compostas para grupo de plectro. A Rondalla Regionalista costumava visitar Murguia e Branhas nas suas casas, os quais recebiam a orquestra com uns petiscos, como era o costume.

Pelas festas do São José, Álvaro Soto era o regente no debute do orfeão intitulado Está bien pelas ruas compostelanas (Gaceta de Galicia, 1892). Este orfeão documenta-se desde março até dezembro de 1892, primeiro dirigido por Soto e depois pelo seu amigo, o guitarrista Julio Mirelis, que emigrará ao Brasil. Soto partilha recitais com os músicos profissionais mais importantes de Compostela. Com Enrique Lens coincide numa atuação benéfica no Teatro Principal (Gaceta de Galicia, 1893). Em 1895 é regente do grupo de plectro do Seminário, que atua em 1896 junto do orfeão de Manuel Valverde e do sexteto de José Gómez Veiga "Curros", onde interpretam uma peça de Gounod e a Serenata (Gaceta de Galicia, 1896). 

Tuna compostelana de 1911. © Dominio público.Tuna compostelana de 1911. © Dominio público.

Soto era um dos violinistas do sexteto, além de tocar a duo com piano e com guitarra. Em 1898 partilha teatro na Ponte Vedra com a Banda Municipal, com o cantor Aldamar Sánchez Martín, que interpretou guajiras acompanhando-se da guitarra, e o quarteto de guitarras e bandurras formado por Massó, José Solla e mais dous intérpretes da orquestra de plectro. A crónica insere-se num editorial sobre a Tuna Portuguesa (LCG, 1898) que era seguida pelo jornal pontevedrês no seu retorno de Compostela a Porto. Em 1900 Soto passa a ser o regente da Tuna Compostelana que irá a Paris. Em 1910 vemo-lo como regente da banda de música La Lira de Ribadávia, um ano mais tarde vai dirigir uma banda asturiana e em 1914 torna a Compostela para dirigir a Tuna. Soto morre em Compostela, em 1929, no mesmo dia que o seu mestre e amigo Manuel Valverde (El Eco de Santiago, 1929).

Algumas obras de Soto nomeadas nas notícias eram Capricho musical para rondalla, Serenata, Moinheira e Jota para Tuna (Gaceta de Galicia, 1900). Esta distinção entre o grupo Tuna e o grupo rondalla parece indicar que o primeiro incluía um coro e o segundo era só a orquestra de cordofones, como se infere da notícia de 1896 onde a nota diz (El Correo Gallego, 1896):

De organizarse la tuna, en ella no figurará coro, viniendo á resultar una especie de rondalla, que pretenden sea dirigida por el conocido músico de Santiago don José Curros.

Dentro das próprias Tunas, além das divisões grupais de duos, trios e quartetos formados por elementos da Tuna que intervinham nos concertos como atuações especiais, sobretudo quando entre os integrantes havia destacados instrumentistas, também havia intervenções exclusivas dos cordofones. Assim parece indicá-lo a obra de Soto Capricho musical, que poderia ter sido escrita anos antes para a Rondalla Regionalista.

Manuel Valverde Rey (1857-1929), menino cantor do coro da Catedral, depois violinista e pianista, foi o grande promotor dos orfeões em Compostela (Freitas, 2016). Valverde foi regente e compositor da Tuna Compostelana, e colaborou com o virtuoso guitarrista da Límia, Eugenio Gallego Martínez, que acompanhava o orfeão dirigindo o grupo de plectro do Seminário. O Valverde era um dos orfeões, como La Oliva em Vigo, que se acompanhavam de orquestras de cordofones.

José Gómez Veiga (1864-1946), também conhecido como José Curros ou Pepe Curros, foi um dos cinco filhos que Ramona Veiga Mosquera teve com o alfaiate José Benito Gómez. Tod@s destacaram como músicos, a irmã Elisa no piano, os irmãos varões como violinistas de grande prestígio na cidade. Gerardo e José foram músicos da Capela da catedral, participavam na orquestra do Teatro e configuravam com Manuel Valverde e Ángel Brage o quarteto Curros. Em 1889, junto com Álvaro Soto, Enrique Lens e Santiago Cimadevila, três irmãos Curros, José, Gerardo e Jesus, ganharam com o sexteto um concurso na secção de música de câmara na Ponte Vedra (Canedo et al., 2014; Freitas, 2018, p. 172-177).

O jornal El Lucense publica um currículo de José Curros com motivo da sua participação como júri no certame de orfeões em Lugo, em que indica vários dados da sua vida: que ganhou a vaga de violinista na catedral compostelana com 14 anos. Que aos 18 fundou a Sociedade de quartetos e ganhou o primeiro prémio de violino com 20 anos. Que fundou o sexteto que leva o seu nome e, segundo a notícia (El Lucense, 1896):

Con esa misma colectividad [o sexteto] formó la base de la tuna que tanto nombre alcanzó para Galicia en el vecino reino de Portugal, en el año 1888.

Gómez Veiga era o regente da Tuna naquele ano. Como compositor, realizou música galega, arranjos sobre melodias clássicas e música sacra. Escreveu para banda, grupos de câmara, orquestra e piano. É uma personalidade musical fundamental no fim do século, como refletiu o romance de Pérez Lugín. Curros era também professor na Escola de Surdos, Mudos e Cegos e na academia de música da Sociedade Económica de Compostela, da qual tinha sido aluno, e seria diretor em 1912 (Freitas, 2018, p. 68).

Estudante português ao lado de Manuel Otero Acevedo. Porto, 1888. © by Alemtunas.Estudante português ao lado de Manuel Otero Acevedo. Porto, 1888. © by Alemtunas.

José Nieto Méndez, conhecido por Nietinho, é também um dos componentes desta rede musical compostelana. Protagonista do romance de Lugín, pai das ilustres cantoras de ópera Ángeles Otein e Ofelia Nieto, e de José, cronista posterior ao romance, Nietinho era um dos tunos do afamado ano de 1888, presidida por Manuel Otero Acevedo. Nieto Méndez estudou Letras em Compostela e depois foi notário em Burgos e Bermeo (Biscaia), além de Decano do Colegio Notarial de Burgos. José Nieto, descrito por Barreiro como pessoa de pouca estatura e muito expressivo, tocava a guitarra, a flauta e foi regente de tunas, coros e orquestras (Barreiro, 1947, p. 78, 174 e 339).

A rede de músicos e intensidade em orquestras e conjuntos de câmara que se observa em Compostela não era uma exceção. Este ambiente musical está em todas as cidades galegas e também nas vilas, como se verá nos próximos artigos.

Bibliografia

Baliñas, M. (1993). "La vida musical en Santiago". Em Carreira, X. M. e Magán, C. Eds.: Ángel Brage, memoria musical de un século. Compostela: Consorcio da cidade de Santiago.

Barreiro, A. (1947). La ruta de "La Casa de la Troya". Estampas, sugestiones y recuerdos. Madrid: Talleres Tipográficos Emos.

Canedo Carrillo, P., Cores Torres, A., Cupeiro López, P. Dalama Corbeira, R. e Suárez Fernández, I. (2014). José Gómez Veiga "Pepe Curros". Trabalho de investigação inédito do alunado da matéria de Musicologia (6º GP), do Conservatório Profissional de Santiago de Compostela, para o curso 2013-2014, sob a organização do professor e diretor Miguel Ángel López Fariña.

Diário de Lisboa (1878). A Estudantina em Paris. Lisboa: 12 de abril, p. 1

El Correo Gallego (1896). Ferrol: 8 de outubro, p. 2..

El Eco de Santiago (1929). Manuel Valverde. Santiago de Compostela: 28 de maio, p. 2

El Lucense (1896). El Certamen de Orfeones. Lugo: 15 de setembro, pp. 2-3

Freitas de Torres, L. (2016b). La huella de Manuel Valverde Rey (1857-1929) en la historia musical de Santiago de Compostela. Em Actas do III Encontro Ibero-americano de Jovens Musicólogos, (286-296). Sevilha: Tagus-Atlanticus Associação Cultural.

Freitas de Torres, L. (2018). José Gómez Veiga "Curros". El rostro de la música compostelana. Santiago de Compostela: Editorial Guiverny, Consorcio de Santiago.

Gaceta de Galicia (1879). Santiago de Compostela: 12 de dezembro, p. 3

Gaceta de Galicia (1891). Santiago de Compostela: 29 de janeiro, p. 3

Gaceta de Galicia (1892). Santiago de Compostela: 18 de março, p. 2

Gaceta de Galicia (1893). Santiago de Compostela: 10 de dezembro, p. 2

Gaceta de Galicia (1896). Santiago de Compostela: 21 de março, p. 2

Gaceta de Galicia (1900). Santiago de Compostela: 3 de março, p. 2

La Correspondencia Gallega (1898). La Tuna Portuguesa. Concierto en Santiago. Ponte Vedra: 14 de fevereiro, p. 2

La Patria Gallega. Boletín-revista. Órgano oficial de la Asociación Regionalista (1891). Santiago de Compostela: 15 de abril, p. 13

Nieto Iglesias, J. (1982). ¿Que es la Casa de la Troya?. Madrid: Ediciones Partenon.

Pérez Lugín, A. (1915). La Casa de la Troya. Estudiantina. Madrid: Sucesores de Hernando.

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