Vox nostra resonat
A guitarra na GalizaO fundo guitarrístico de Pintos Fonseca (1). A Filarmónica da Ponte Vedra
Isabel Rei Samartim

A Marina Pintos-Fonseca Sánchez pela sua amável colaboração.
A aventura de pesquisar no Museu da Ponte Vedra prolongou-se várias semanas. Há ali uma coleção de partituras para vários instrumentos, especialmente para guitarra, que pertenciam à coleção do intelectual e polígrafo pontevedrês Javier .
Foi necessário identificar, ordenar e descrever todos os documentos referentes à guitarra, voz e guitarra, duas guitarras, guitarra com violino ou bandolim/bandurra, e orquestra de cordofones. Este trabalho de análise deu como resultado as informações que resumimos a seguir e ilustram a atividade musical de entre séculos na cidade da Ponte Vedra.
Traços biográficos de Javier Pintos Fonseca
Filho de Basilio Pintos Amado e Carmen Fonseca García, Javier Pintos Fonseca (Ponte Vedra, 1869-1935), corredor de comércio (notário), caixeiro do Banco de España, liberal monárquico, teósofo e maçom, arquiteto, pessoa influente na vida política e social da cidade da Ponte Vedra, linguista, desenhador, principal impulsor da Sociedade Filarmónica e organizador dos seus concertos, também foi um excelente guitarrista.
Neto do vate galeguista João Manuel
Pintos frequentou a amizade do violinista Benigno Lopes Samartim, do guitarrista e compositor Ramón Señoráns, do também guitarrista e cantor Victor Cervera Mercadillo, do gaiteiro Perfecto Feijó, dos irmãos Torcuato e Renato Ulloa, de Henrique Labarta Posse e Celso García de la Riega, o industrial Benito López Paratcha, a família Sánchez Puga, comerciantes de instrumentos, e a família do Marquês de Riestra, onde também havia amadores guitarristas.
A esposa de Pintos foi Luísa Fonseca Buceta que deu ao mundo oito filhas e filhos: as meninas Maria Luísa e Eulália (que morreu sendo criança), o primeiro Carlos (que morreu sendo bebé) e um segundo Carlos, matemático e professor, pai da nossa informante, Marina Pintos-Fonseca Sánchez. Também foram filhos o famoso pintor e pianista, Luís, e Basílio, Álvaro e Adriano, este último, também solvente guitarrista.
Javier Pintos, que tocava guitarra, piano e violino, ensinou às filhas e filhos o amor pela música. Membro de numerosas sociedades artísticas e culturais pontevedresas, e assíduo das tertúlias na farmácia de Poncet, era comum na casa dos Pintos Fonseca a reunião de amigos e celebração de serões musicais, tanto para interpretar música ao vivo quanto em audições de gramofone.
No arquivo familiar conservou-se uma boa quantidade das sonatas para piano de Beethoven e música de Chopin, Mendelssohn e Wagner, além de uma coleção de discos entre os que figura a gravação da casa Homokord de uma Jota aragonesa e da mazurca Cavidad, gravadas pela Orquesta Internacional com bandurras e guitarras.
O entorno musical e artístico de Javier Pintos Fonseca
No diário de Pintos lemos que em novembro de 1885 assistia às aulas noturnas de desenho ministradas por Ramón Vives no Instituto, ao lado da igreja de São Bartolomeu. Ele e o seu primo Telesforo Fonseca Buceta cursavam ‘Desenho de linha’. A ‘Desenho de figura’ assistiam os também amigos Senén Calleja, Cosme Rupelo e Miguel Gay García Camba. Em dezembro de 1892, Pintos leciona aulas de solfejo e guitarra a Telesforo, seu primo e amigo.
Deveu ser pouco depois dos seus estudos de desenho quando Pintos começou com a guitarra. No diário deixou anotado em 26 de julho de 1887 que o seu primeiro professor de música foi o seu tio, Román Pintos Amado.
Entre as suas primeiras partituras está a já mencionada moinheira publicada por Campo Castro, com data de Pintos de 1887, a Pavana de Albéniz arranjada para guitarra com data de Pintos de 28 de dezembro de 1888, e os estudos de Carcassi, Cano e Aguado, exercícios e composições de Pintos entre 1890 e 1895. Mais tarde, em 1902 e 1903, viria a composição dos duos de guitarra já nomeados e mutuamente dedicados a Pintos e a Lopes Samartim.
Ramón Señoráns, Victor Cervera, Rogelio Lamas, Cosme Rupelo e Constantino Lorenzo eram os guitarristas que faziam parte da orquestra Samartim, junto da primeira guitarra de Javier Pintos e anotados por este no seu diário.
Todas amizades próximas, ao tempo que os dous primeiros foram também grandes cantores e atores de teatro que participavam em numerosos eventos culturais na cidade. Dada esta afluência de guitarristas amadores explica-se o facto de haver na cidade, como se verá mais para a frente, vários armazéns de música a venderem guitarras e outros cordofones, acessórios, partituras e a promoverem a música pontevedresa desde os seus locais, organizando concertos e exposições, e impulsando o cultivo musical da guitarra.
Ramón Señoráns, amigo de Pintos e também cantor e compositor carinhosamente lembrado na cidade, será tratado em artigo à parte. Rogelio Lamas conhece Javier Pintos desde criança, pois assistia às mesmas aulas de solfejo com Román Pintos em 1877. De Cosme Rupelo sabemos por Pintos que nasceu em outubro de 1869 e que em 1º de julho de 1896 foi nomeado Administrador das Rendas do Estado no Negociado de Propiedades pontevedrês. E, finalmente, Mercadillo, cujo nome real era Victor Cervera Moreno, sendo Mercadillo o segundo apelido do pai, José Cervera Mercadillo. Nascido em 1º de janeiro de 1869 segundo anota Pintos, sabemos das suas enormes qualidades como cantor, demonstradas em numerosos eventos dos que destacamos o anotado por Pintos e celebrado em 13 de dezembro de 1896, em benefício dos soldados feridos da guerra de Cuba, na Sociedade Recreo de Artesanos.
O programa constava de três partes com a intervenção duma orquestra, que possivelmente estaria composta por componentes da Orquestra Samartim e elementos da Sociedade Económica, pois tanto Benigno López quanto Román Pintos participaram no evento. Victor Mercadillo interpretou duas canções italianas de Stanislao Gastaldon, a primeira Ti vorrei rapire onde é acompanhado ao piano por Balbanera Pérez, e a segunda a duo com Felipa Genovés Villó, La musica dei baci, com acompanhamento do Sexteto Samartim. No final das notas, Pintos recolhe os nomes das componentes do coro dirigido pelo seu tio Román, que faziam um total de 31 pessoas. Mulheres: Felipa Genovés Villó, Carmen Alvarez, Luisa Berasategui, Carmen Torres, Encarnación Porto, Aurea Rodriguez, Ramona e Pura Micó, Wences Feijóo, Carmen Tapia, Maria Rodriguez, Adolfina Losada, Emma González, Elvira Rapiso, Balbanera Perez, Encarnacion Corbal e Peregrina Pérez. Homens: José e Fausto Otero Rua, Diego Pazos Espez, Fernando Olmedo Reguera, Ramon Vazquez Durán, Leoncio Feijóo.
O violinista e pintor Manuel Quiroga, que tinha dado os primeiros passos musicais com a bandurra, achava-se também entre as amizades do ilustre pontevedrês. Outros amigos próximos de Javier Pintos foram os irmãos Torcuato e Renato Ulloa, pianistas e, este último, compositor de música para alguma letra de Labarta Posse. De todos eles anota Pintos efemérides no seu diário, bem como do concertista de piano , do ginasta Attilio Pontanari e do brilhante intelectual pontevedrês Indalecio Armesto, acompanhando estas informações com elementos da vida na cidade tais como as obras no depósito das águas, as primeiras provas da luz eléctrica, o vapor Ponte Vedra-Marim, a fundação da Sociedade Económica ou informações sobre o Carnaval pontevedrês.
Outros amigos ilustres de Pintos foram o guitarrista valenciano, José Fola Itúrbide, o malhorquino Antonio Crespí, e o andaluz Eduardo del Vando, que serão tratados noutro artigo.
O concerto de Andrés Segovia na Filarmónica
O último dia do ano 1924 a Sociedade Filarmónica da Ponte Vedra anunciava o primeiro concerto na Galiza de
Na segunda parte do concerto, o folheto anunciava a interpretação, sem interrupção (sic), de quatro andamentos duma Suite de Bach, a Pequena valsa de Grieg e uma Canzonetta de Mendelssohn. E na terceira parte, o primeiro andamento da Sonatina de Moreno Torroba, a Improvisação de Pedrell, ambas as duas dedicadas a Andrés Segovia, e finalizava com Torre Bermeja e Leyenda de Albéniz, em arranjo para guitarra do próprio intérprete.
O programa elaborado pela Filarmónica, possivelmente por Pintos Fonseca, incluía umas breves notas biográficas sobre Andrés Segovia e sobre a história da guitarra. Na última página incluía-se uma advertência “importante”, evidenciando a delicadeza e conhecimento do autor, que ainda hoje continuam em vigor:
La sonoridad de la guitarra es infinitamente más blanda y tenue que la del piano; menos exasperada y penetrante que la del violín; es más emotiva y suave que la del arpa.
Para percibir plenamente estas vivas cualidades espirituales del más bello de los instrumentos, se requiere un absoluto silencio.
En un ambiente quieto y callado, se destaca su delicado sonido, puro y limpio, escuchándose las obras claramente y el juego de matices en que se revela la calidad del artista, no queda[ndo] obscurecido por los mil ruidos flotantes de un auditorio distraído. Se ruega en beneficio de las personas hoy congregadas para oir a ANDRES SEGOVIA, un riguroso silencio.
En el espacio de obra a obra puede el auditorio descansar de la intensa atención que la naturaleza de la guitarra le demanda, recobrando por ejemplo, una posición más cómoda o consultando el programa para seguir el itinerario espiritual del concierto. Pero mientras toca el artista, el mismo auditorio se percatará de que cualquier pequeño movimiento interrumpe la coordinación musical de la obra.
Por todo lo dicho, y deseando dar al concierto verdadeira eficacia emotiva, se ruega un perfecto y unánime silencio.
Continuará esta informação num próximo artigo dedicado à relação de Andrés Segovia com a Galiza e @s guitarristas galeg@s. Entrementes, no próximo artigo desta série será tratada a admiração de Pintos Fonseca por Beethoven.
Bibliografia
Comentarios