Vox nostra resonat

A guitarra na Galiza

Eulógio Gallego Martinez, um virtuoso da Límia (2)

Isabel Rei Samartim
jueves, 4 de mayo de 2023
Entrudo en Ginzo de Limia © 2023 by Creative Commons en el Flickr de mpergon Entrudo en Ginzo de Limia © 2023 by Creative Commons en el Flickr de mpergon
0,0015868

A partir do século XX há mais notícias do Entrudo, que é desde sempre a atividade musical por excelência em Ginzo. No seu trabalho, Martinez Cerredelo (2016) estuda a história do entrudo limiano. Por ele sabemos que uma primeira notícia de uma comparsa é de 1904, chamada Tuna Antelana que, para além dos instrumentos de plectro e guitarras habituais, continha também violinos.

O Entrudo limiano

Banda Municipal republicana de Ginzo. Anos 1930-31. Fonte: Miro Cerredelo. © 2023 by Isabel Rei Samartim.Banda Municipal republicana de Ginzo. Anos 1930-31. Fonte: Miro Cerredelo. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

Mas, sabemos que a falta de notícias dos fastuosos entrudos no século XIX é correlativa à falta de meios jornalísticos ativos nesse século. Neste caso, o jornal limiano mais antigo é de 1911. Devemos supor que a origem ancestral destas festas é tão antiga em Ginzo quanto no resto da Galiza, se não mais, e ainda é uma festa vivida com grande intensidade nessa comarca nos tempos atuais.

Nestas festas a guitarra estava sempre presente. O ambiente musical era partilhado com as localidades portuguesas, onde as guitarras e instrumentos de plectro eram muito utilizados tanto na música popular quanto na erudita. Sobre isto lembremos as palavras do erudito de Pereiro de Aguiar, o padre Bento Feijó:

Yo nací en los confines de Portugal: por mi tierra veía pasar frecuentemente los de aquella Nación en romería a Santiago; pero muy raro sin su guitarra debajo del brazo.

É muito possível que fossem as rusgas e grupos de plectro que habitualmente se prodigavam nestas festas os primeiros referentes do Eulógio Gallego criança que começava a desenvolver o seu instinto musical e a paixão pela guitarra.

As sociedades artísticas e recreativas da Límia

As sociedades limianas (Martinez, 2005) com salões para eventos eram a Sociedade Recreativa Casino Antelano, fundada em 1903, o Círculo Recreativo de Artesanos, cuja existência se acredita em 1919, e a Sociedade Filarmónica Antelana, fundada em 1929, da qual Celso, irmão de Eulógio, era sócio e tesoureiro. Em 1919 o jornal Juventud publica uma nota a registar unicamente duas sociedades com salões para celebrar eventos (p. 89). Não especifica quais são estas sociedades, mas entendemos que sejam o Casino Antelano e o Recreo de Artesanos.

Entre os anos 1919 e 1925 acham-se referências a atividades musicais: Uma resenha sobre Lohengrin de Wagner com resumo do libreto (Martinez, 2005, p. 93). A existência dum grupo de plectro que tocou em 19 de março de 1923, sob a direção de um tal Moncho, filho do tenente de carabineiros, que anuncia tocar na Páscoa desse mesmo ano (p. 145). A passagem por Ginzo da banda de música de Ribadávia, La Lira, dirigida por Vicente Astorga (p. 169). Um conto narrado intitulado Las coplas de ciego, assinado por Luciano F. Bello, cujo protagonista é um cego violinista (p. 193). Um programa dos festejos do Corpus Christi de 1925 em que participa La Lira e alguns gaiteiros (p. 199). Bailes no Casino Antelano (p. 203). E, para finalizar, um curioso poema dedicado «A mi querido amigo Antonio R. G. Montero, en prueba de amistad y agradecimiento por su composición musical Margaritiña», assinado por José F. Dacal em Ourense, 1925 (p. 227). Nos anos da ditadura regista-se também a sociedade da Juventud Católica Benéfica Cultural (Martinez, 2008, p. 360). 

A etapa ourensana. 1895-1902

Depois dos quatro primeiros anos passados com os Padres Paulos, Eulógio Gallego chega com 15 anos de idade ao Seminário Maior de Ourense, onde estudará durante sete anos. Desta passagem pelo Seminário são prova duas solicitudes de ordenação de Prima Tonsura e Ordens Menores que se conservam no Arquivo Histórico Diocesano. Na segunda, o solicitante resume o seu currículo indicando que estudou naquela instituição três anos de Filosofia mais quatro de Teologia, alguns anos como aluno interno e outros como externo. Isto último conferia-lhe maior liberdade de relacionamento social.

Pieza enlazada

Eulógio Gallego é da mesma geração que outros guitarristas localizados em Áuria, tais como Ramon Gutierrez Parada, os irmãos Casasnovas ou Eduardo Rei Custódio. Não temos indícios de que se conheceram. Porém, pela habilidade no instrumento e o fervilhar do ambiente guitarrístico de entre séculos na cidade, não seria improvável que todos estes guitarristas se tivessem encontrado nas reuniões musicais programadas em Ourense durante a temporada em que Eulógio Gallego estudou lá, especialmente nos anos em que foi aluno externo.

Os recitais em Compostela. 1902-1905

Pieza enlazada

Depois de estudar em Ourense, Eulógio Gallego inscreveu-se no ano letivo 1902/03 no Seminário Conciliar de Compostela, para estudar quinto ano de Teologia e três cursos de Direito Canônico. É neste período onde eclodiu a sua fama como intérprete e virou conhecido em toda a região. A sua atividade musical girava em torno do Círculo Católico de Obreros, associação religiosa com afiliados operários e artesãos, mulheres e homens de ofício autónomo, ainda que na direção da entidade sempre se achavam pessoas das classes dominantes, da nobreza e do clero, unidas todas por uma motivação religiosa que amalgamava a sociedade na altura governada por uma nova Restauração bourbónica.

O cronista, mestre e membro do Círculo, José Maria Moar Fandiño, autor da maior parte das notícias sobre o nosso guitarrista, afirmava com ironia crítica que os membros dessa entidade eram alcunhados de «partido manso de socialistas católicos» (Moar, 1903). Outros grandes músicos galegos, como o diretor e compositor Manuel Valverde e o pianista Enrique Lens eram protagonistas habituais das veladas do Círculo.

No recital de Entrudo organizado em 22 de fevereiro de 1903 pelo Círculo de Compostela, atuou Eulógio Gallego, descrito por Moar como:

alumno teólogo del Seminario, tiene derecho a mil plácemes por su música de armónicos y la ejecución de la Marcha de Luis XVI.

No mesmo recital intervieram o maestro Manuel Valverde dirigindo o orfeão e o grupo de plectro do Círculo, Enrique Lens no piano, o barítono Muras e os poetas habituais do Círculo, José Santaló, Villelga, Vazquez Queipo, Silvan, todas gentes bem posicionadas da burguesia compostelana. No artigo publicado por Miro Cerredelo (Rei-Samartim, 2017) podem ler-se mais dados biográficos destas personagens que ajudam a melhorar o conhecimento da cidade de entre séculos.

Finalmente o cronista acrescentava umas palavras para descrever um outro evento organizado posteriormente no Círculo, mas anterior à publicação da sua crónica, em que houve um espetáculo de mágica científica a cargo de Mariano Subirá del Rio e Santiago Casares Bescansa.

 Em 26 de fevereiro de 1903, a Gaceta de Galicia publicou uma extensa crónica de Juan San Emeterio de la Fuente, catedrático de Alemão, assinada em 24 de fevereiro sobre o mesmo evento. O recital em honra do Papa realizou-se em domingo, dia 22 de fevereiro, às 18h30 na sede do Círculo Católico de Obreros que estava na Rua Nova. Em plenos festejos do Entrudo o cronista referia-se ao recital do Círculo por estas palavras publicadas a várias colunas na capa da Gaceta:

Hermoso y grande, porque mientras las calles rebosaban de gente y una loca muchedumbre se agitaba nerviosamente de un lado para otro para contemplar embobada las ridículas mascaradas, un número crecidísimo de obreros se apartaban del bullicioso y frívolo mundo y buscaban solaz y recreo para sus almas y descanso para sus cuerpos, congregándose, animados de un mismo y noble deseo, para celebrar una velada literario musical y rendir un tributo de homenaje, de admiración, de respeto, de cariño, á la simpática figura del Vaticano, al amantísimo padre de los obreros, al soberano Pontífice León XIII, al venerable anciano, que cubierto de blancas vestiduras desempeña su apostolado de paz en la ciudad de los Césares y hacia el cual vuelven hoy los ojos todas las almas creyentes, todos los verdaderos hijos de la iglesia católica, apostólica, romana.

A oposição frontal do catolicismo face aos festejos populares pagãos ficava em evidência dando a razão àqueles críticos que achavam no Círculo uma espécie de escola de domesticação da classe operária compostelana. O cronista prosseguia e informava de que o maestro Enrique Lens tocou uma Marcha Húngara, que poderia ser a de Berlioz (A condenação de Fausto) arranjada para piano por Franz Liszt.

Fragmento duma crónica de Moar de 25 de fevereiro de 1903. Fonte: Galiciana Dixital. © 2023 by Isabel Rei Samartim.Fragmento duma crónica de Moar de 25 de fevereiro de 1903. Fonte: Galiciana Dixital. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

Especial interesse para nós tem o orfeão e o grupo de plectro formados por operários membros do Círculo, que depois do trabalho se reuniam para formar essas agrupações musicais de amadores a aprenderem música graças às aulas do maestro e diretor Manuel Valverde. No seu recital tocaram uma balada intitulada Un juramento, com música de Manuel Valverde e letra de Manuel Martinez, e uma peça do sainete El Bateo de Federico Chueca, cuja estreia decorrera em 1901. E sobre o nosso guitarrista:

Mas, lo que causó gran hilaridad, lo que arrebató y cautivó la atención del público, lo que produjo un entusiasmo indescriptible, lo que hizo prorrumpir en gritos de admiración, particularmente entre los obreros, fueron un número de piezas, la dianala retreta, etcétera, etc., que tocó admirablemente á la guitarra el joven estudiante don Eulogio Gallego, y que no se cansaban los presentes de hacérselas repetir una y otra vez. No se puede pedir más afinación, más maestría, más inteligencia, más sentimentalismo.

A emoção suscitada pela guitarra de Eulógio Gallego prova o seu talento, bem como o repertório escolhido prova o seu conhecimento do mundo clássico. A partitura duma dessas peças escrita para coro, La retreta, junto com outra do mesmo estilo, Los pescadores, conservam-se na coleção de partituras do Seminário Maior, como pude confirmar na minha última visita à biblioteca da instituição. O autor é o músico francês Laurent de Rillé, e é muito possível que Eulógio Gallego tivesse tocado os seus próprios arranjos dessas partituras.

José Maria Moar informa que Eulógio Gallego também tocou neste dia a Marcha [fúnebre] de Luis XVI, peça muito conhecida na época. Vejamos o modo em que a nomeava Emília Pardo Bazan num dos seus romances (1894):

Si allá, por los tiempos en que era Neirita el estudiante y rasgueaba en la guitarra, en tertulias caseras, la Marcha de Luis XVI yendo al cadalso, pude alabarme de una regular presencia, ahora de todo apenas quedaban señales;

Retrato de Emília Pardo Bazan por Joaquin Vaamonde, em 1896. © Dominio Público / Wikipedia.Retrato de Emília Pardo Bazan por Joaquin Vaamonde, em 1896. © Dominio Público / Wikipedia.

Também na Biblioteca do Seminário achamos partituras do que poderia ser o tal ‘Neirita’ da Pardo Bazan. Poderia ser o advogado e músico José Neira Villamil, cujas filhas Maria Amélia, Pepita e Manuela estudavam piano. De tod@s se conservam partituras nessa biblioteca, como já anunciamos nesta série em artigo anterior.

A peça tinha uma afinação particular e efeitos sonoros como a tambora, os harmónicos e os rasgados, recursos que não sendo novos surpreendiam o público da época. As louvas à afinação teriam a ver com a destreza para conseguir as diferentes afinações do instrumento, bem como a excelência na mestria, inteligência e sentimentalismo denotavam a capacidade interpretativa e expressiva do executante.

Referências citadas

  1. Fuente, Juan San Emeterio de la (1903). Homenaje a Leon XIII. Gaceta de Galicia. Compostela: 26 de fevereiro, pp. 1-2.
  2. Feijó, Bento. (1742-1760). Cartas eruditas y curiosas, Tomo segundo, Carta Octava, Menagiana, Segunda parte, ponto 26. Martinez Cerredelo, Edelmiro. (2005). A prensa en Xinzo de Limia: século XX (1911-1925). Ginzo: O Viso.
  3. Martinez Cerredelo, Edelmiro. (2008). Historia e memoria. A Limia: 1931-1953. Ginzo: O Viso.
  4. Martinez Cerredelo, Edelmiro. (2016). Xinzo de Limia na memoria. Ginzo: Grupo «Pedro González de Ulloa» de Estudos Históricos da Limia.
  5. Moar, José Maria. (1903). La velada del Círculo. El Correo de Galicia. Compostela: 25 de fevereiro, p. 3.
  6. Pardo Bazan, Emilia. (1894). Doña Milagros.
  7. Rei-Samartim, Isabel. (2017). O guitarrista limiano Eulógio Gallego Martinez (Ginzo de Límia, 02-09-1880 - ?). Historia de Xinzo (blog): 21 de julho.
  8. Rei-Samartim, Isabel. (2020). A guitarra na Galiza. Tese de doutoramento. Universidade de Santiago de Compostela.
Comentarios
Para escribir un comentario debes identificarte o registrarte.