Discos
Guitar Divas de Heike Matthiesen
Isabel Rei Samartim
É sempre uma alegria ver um novo disco de música para guitarra composta por mulheres guitarristas e compositoras e interpretado por outra mulher guitarrista. Desde que Marcia Citron, Susan McLary e Lucy Green, entre outras, abriram o caminho da história das mulheres na música e no ensino musical, os estudos sobre mulheres compositoras e intérpretes surgiram nos centros de estudo de todos os continentes.
Logo começaram a aparecer os estudos sobre as grandes pianistas, como os dirigidos pela professora Helena Marinho em Portugal. E também, espalhadamente, foram aparecendo os estudos sobre as mulheres guitarristas históricas. Na atualidade, bastantes mulheres guitarristas dedicam tempo a dar a conhecer as nossas antecessoras: Annette Kruisbrink, Chris Bilobram, Gaëlle Solal e a jovem Maria Beatriz Oliveira, entre outras, e pesquisadoras como Eulália Pablo Lozano.
No passado mês de maio a guitarrista alemã Heike Matthiesen e o selo ARS Produktion, criado por Annette Schumacher, lançavam o CD “Guitar Divas” com a interpretação de obras originais compostas por guitarristas mulheres do século XIX. Voltam à palestra de novo os debates sobre porquê não são sistematicamente interpretadas nos conservatórios as obras de Emilia Giuliani-Guglielmi (1813-1850), Anne Emmerich (1802-?), Catharina Josepha Pelzer (Pratten) (1821-1825) ou Maria Dolores de Goñi (1813-1892).
Estas são as autoras gravadas por Matthiesen num disco cheio de força que convida a continuar o estudo da música feita por mulheres. “Guitar Divas” põe de relevo novos prelúdios, serenatas, danças, scketches e variações de intérpretes que eram conhecidas no seu tempo, nunca tão estimadas quanto os varões, que bastante antes da sua morte eram já esquecidas e as suas obras ficavam na indiferença mais absoluta, num mundo em que a única música válida era a dos compositores homens, às vezes seus pais, irmãos, parceiros ou vizinhos.
No século XXI as mulheres guitarristas sabemos o que é estudar obras do repertório canónico. O esforço, as horas, dias, meses de estudo, as emoções que impregnam o processo interpretativo desde a leitura das primeiras notas até à performance final, toda essa força de trabalho tem sido focada em obras compostas por pessoas que, em muitos casos, nem conhecem a existência de mulheres talentosas que tocam a música deles.
Porém, com as compositoras mulheres o processo é diferente. Sabemos umas das outras, compreendemos os passos dados, vemos os documentários, temos os CDs e os trabalhos académicos, seguimos os processos e conhecemos os motivos dum e doutro repertório, resolvemos os conflitos e tocamos, renovamos e incentivamos a composição para o nosso instrumento e para outros instrumentos. É uma sororidade guitarrística que começa a borbulhar numa época em que o feminismo já é entendido como um elemento democrático incontornável na vida diária e na cultura de todas as sociedades humanas, que abre um tempo novo e mais feliz para as mulheres.
Congratulamo-nos porque Heike Matthiesen nos dá essa força com o seu excelente trabalho, acompanhado dum libreto explicativo de cada uma das obras e da vida das compositoras. Matthiesen tira do passado a música enterrada antes de tempo e faz reviver a guitarra das que vieram antes de nós, completando o panorama do século XIX, mostrando-nos como elas eram interessantes, como a sua música é verdadeira e bela, e como elas constituem modelos de perfeição artística para @s guitarristas da atualidade.
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