Vox nostra resonat

Guitarristas da Galiza na emigração (3)

Isabel Rei Samartim
jueves, 2 de mayo de 2024
José María Varela Silvari © Dominio público / Wikipedia José María Varela Silvari © Dominio público / Wikipedia
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Deixamos o artigo anterior a meio falar sobre Júlio Mirelis e a sua atividade no Brasil, que retomamos neste último artigo da trilogia sobre a emigração de guitarristas a outros países durante o século XIX.

De 7 de fevereiro de 1894 é a segunda notícia sobre o orfeão Lira Gallega. No Theatro Recreio Dramático do Rio de Janeiro, em benefício do jornalista aragonês e republicano José Fernando Gonzalez, realizava-se uma representação dramática com a participação de numerosos atores e atrizes brasileiras, pertencentes à Companhia Dramática Empreza Dias Braga, fundada em 1883, que tinha já atuado em Lisboa e Madrid. 

Entre as intervenções musicais houve a da banda de música da Guarda Nacional, a do violinista brasileiro Nicolino Milano que tocou as Danzas Españolas n.º 3 Romanza Andaluza, e n.º 4 Jota Navarra de Pablo Sarasate, e a intervenção do orfeão Lyra Gallega (Jornal do Commercio, 1894):

distincta sociedade coral que cantará as seguintes peças: Alvorada, dialeto regional, composição de D. Julio Mirelles, maestro director. El Cantarillo, melodia, do mesmo autor.

Assim vemos que nos primórdios da música feita pela comunidade galega no Rio de Janeiro estava o guitarrista compostelano Júlio Mirelis Garcia, antigo troiano, diplomata, professor de música, autor dum dos métodos galegos para guitarra, antigo universitário, regente e possível fundador dum dos primeiros coros galegos no Brasil.

O Centro Galego de Montevideu

Retrato de Gutiérrez Parada com guitarra. © Coleção de Paulino Izquierdo.Retrato de Gutiérrez Parada com guitarra. © Coleção de Paulino Izquierdo.

Seguindo a estela dos Centros Galegos de Buenos Aires e da Havana, o de Montevideu igualmente se fundou em 1879. A inauguração oficial, com participação de guitarristas, aconteceria em 13 de junho de 1880 (El Gallego, 1880b). Segundo a notícia, ao evento assistiram por volta de mil pessoas. A organização do ato programou intervenções literárias seguidas das intervenções musicais, todas variadas. 

Entre o discurso do presidente Mário Rodriguez, as leituras dos trabalhos, poemas e discursos dos sócios, intercalaram-se vários números de música de câmara: duos de voz e piano, flauta e piano, e o duo de voz e guitarra formado pelo tenor Bello e o guitarrista Campos, que interpretou a canção Los ojos negros, havaneira espanhola de Fermin M.ª Álvarez (1833-1898) sobre um poema de Eusébio Blasco (1844-1903). O evento rematou com a atuação dum trio de duas bandurras e piano formado por Campos, Vidaurre e Navarro que tocaram Aires españoles.

Em 12 de dezembro de 1879 o jornal ferrolano El Correo Gallego publica a seguinte carta, com data do dia 11, anunciadora da criação do Centro Galego de Montevideu (El Correo Gallego, 1879):

Los gallegos residentes en Montevideo, siguiendo la iniciativa de sus queridos hermanos de Buenos Aires y de Corrientes, llenos del más patriótico entusiasmo, guiados por el inextinguible cariño del santo recuerdo de la pátria y anhelosos de consagrarle diariamente un venerado culto de amor, hánse asociado, y cual si fueran un solo individuo, guiados por un mismo sentimiento y convergiendo sus aspiraciones á un solo fin, consiguieron en muy pocos dias fundar un Centro de Instrucción y Recreo que se nivela ya en su marcha, con las sociedades que de igual índole desde muy antiguo hay establecidas entre nosotros.
El Centro Gallego de Montevideo existe ya: los gallegos en fraternal consorcio se reunen todos los dias y recuerdan entre sí los alegres dias de la infancia y recuerdan aquellos campos con sus flores, y aquellos bosques con sus gigantes árboles, y aquel cielo siempre diáfano y puro y aquellas pasadas glorias siempre más heróicas cuanto más se las considera.
Galicia se levanta en América, porque sus hijos amantes, con su idioma dulce, con sus costumbres sencillas, con su trabajo honrado, la hacen conocer á los que inadvertidos la juzgaban si no muerta, sumida en letárgico sueño.
Galicia se levanta en América, porque Galicia jamás ha muerto; los pueblos heroicos no mueren nunca, y Galicia es el espejo en donde desde muy antiguo se han reverberado las hazañas de los pueblos grandes; Galicia es el molde en donde se han vaciado los modelos que asombraron al mundo.
Por eso, los gallegos residentes en Montevideo al participar á sus queridos hermanos de Buenos Aires tan fausto acontecimiento, no pueden por menos que gritar con todo el entusiasmo de su corazon, unidos con ese fraternal abrazo símbolo de las más caras afecciones, un ¡Viva Galicia en América!.

Vemos que a ideia principal era a de “erguer” Galiza, daí que insistissem na ideia de que Galiza “ergue-se na América”. Só precisa de erguer-se quem se sente submetido. O Centro Galego de Montevideu tinha começado já no mês de janeiro de 1880 por todo o alto organizando a sua primeira tuna, a Estudantina Galaica com 45 intérpretes com vestimenta de tunos. O regente da estudantina era Ángel Libarona (El Gallego, 1880a).

O Centro Galego de Madrid

As primeiras reuniões para a organização de um Centro Galego em Madrid foram no ano 1883: "El Centro Gallego de Madrid puede considerarse como un hecho, pues ya pasan de 100 los adheridos" (El Eco de Tambo, 1883). Mas as notícias da sua atividade aparecem dez anos mais tarde, em 1893 quando o centro solicita receber exemplares dos diários galegos e o presidente, o sarriano Venâncio Vazquez, manifesta o seu apoio às atividades organizadas contra a eliminação da Capitania Geral da Corunha (El Lucense, 1893; El Regional, 1893).

Pelo mês de abril funda-se o orfeão do Centro Galego, sendo o seu regente Ricardo Castro Gonzalez ‘Chané’, irmão de José Castro ‘Chané’, que no fim do ano emigraria à Havana, como vimos no primeiro artigo desta série. O presidente da comissão organizadora do orfeão era o jornalista Baldomero Lois, o vice-presidente Francisco Luís Lopez e o secretário Alejandro Perez Lugin, autor de La Casa de la Troya, romance histórico situado na Compostela de 1888 onde a música de cordofones era um elemento fundamental. Os vice-regentes do orfeão eram os músicos Júlio Cristóbal, da Corunha, e Marcos Alén (El Correo Gallego, 1893).

Do corunhês Júlio Cristóbal sabemos por amável informação da pesquisadora e historiadora Rosário Martinez que foi compositor amador e estava na Corunha em 1891 onde participava da vida musical da cidade. Também dirigiu um grupo de cordofones que tocou uma Jota composta por ele e é autor da zarzuela La chaqueta de la tinta, representada no Liceu Brigantino o 13 de dezembro de 1891. Também um Manuel Cristóbal, sem ter confirmada a relação familiar com o anterior, foi presidente do Orfeão Corunhês em 1891. Sobre Antonio Marcos Alén só sabemos que se licenciou em Farmácia em 1897 em Madrid (El Alcance, 1897).

As intérpretes de bandurra e guitarra, irmãs Arribas, participavam numa velada lírico-musical organizada pelo Centro Galego de Madrid (Gaceta de Galicia, 1894). Em 1895, Varela Silvari organizava a 1ª sessão de música espanhola em que intervinha o orfeão e uma orquestra de cordofones dedilhados composta por mulheres e dirigida por Dionisio Granados. O orfeão, dirigido por Silvari, interpretou a Alvorada e uma Moinheira de Pascual Veiga, e o Hino à Galiza de Varela Silvari, com letra de Galo Salinas (Gaceta de Galicia, 1895; El Correo Gallego, 1895).

Em 1896 o orfeão seria dirigido por Pascual Veiga e participaria no certame de Lugo de que fazia parte do júri o compostelano José Gómez Veiga ‘Curros’. O certame, cuja organização sofreu vários obstáculos e causou alguma polêmica, foi finalmente assinado só por dous orfeões, o Union Orensana, que seria o ganhador do certame, e o orfeão do Centro Galego de Madrid que levaria o segundo prémio (El Eco de Galicia, 1896).

Breve nota sobre o orfeão Union Orensana

Para finalizar, apontar que Adrio (1934) realizou uma breve história do orfeão que apresentamos muito resumida por ser de interesse para o estudo da guitarra na Galiza:

Logótipo do orfeão Union Orensana. © Dominio público.Logótipo do orfeão Union Orensana. © Dominio público.

Em 1880 organizava-se em Ourense a Sección Coral Eslava, cujo primeiro regente foi o pianista Mariano Pastor e o segundo, Ricardo Garcia. Em paralelo organizavam-se o Orfeon Orensano, com o flautista Arturo Fernandez como regente, e um grupo de cantores do Liceu da cidade. Em 1887, com o ensejo de participar na homenagem ao Padre Feijó, os membros destes agrupamentos sem quase atividade organizaram-se no Café de la Union, cujo dono José Rodríguez Santos facilitava o local para o ensaio do grupo. Daí o nome do orfeão Union Orensana em reconhecimento e homenagem ao local que facilitou e colaborou com o projeto.

Pieza enlazada

Os regentes seriam o pianista Francisco Prieto e o violinista Enrique Fernandez. Entre 1891 e 1895, o regente foi Adolfo Berges e depois de uma temporada instável, em 1906 voltaria Enrique Fernandez até ao 1915. O autor menciona os prémios conseguidos pelo orfeão até 1929 (Adrio, 1935, pp. 255-263). Também o guitarrista Ramon Gutierrez Parada foi durante um tempo regente (El Diario de Pontevedra, 1905), momento em que se formou a orquestra de plectro do orfeão (Orfeon Union Orensana). Depois vieram Laureano Rego e José Quilez.

O agrupamento sofreu um processo delicado desde a partida para a emigração em 1895 do seu principal regente, Adolfo Berges. Os pormenores do orfeão entre esse ano e 1906 ainda não foram suficientemente estudados. Talvez isso seja um sinal de que o trauma da emigração ainda é uma ferida aberta para nós.

Referências citadas
  1. Adrio Menendez, José. (1935). Del Orense antiguo. Ourense: Imprensa "La Popular". Ed. Fascimilar de 2001, Concelho de Ourense.
  2. El Alcance. (1897). Santiago de Compostela: 13 de outubro, p. 1.
  3. El Correo Gallego. (1879). “De La Colonia Española de Montevideo. Centro Gallego”. Ferrol: 12 de dezembro, p. 2.
  4. El Correo Gallego. (1893). “Cartera del reporter”. Ferrol: 26 de abril, p. 2.
  5. El Correo Gallego. (1895). Ferrol: 3 de dezembro, p. 3.
  6. El Diario de Pontevedra. (1905). “Orense”. Ponte Vedra: 19 de abril, p. 2.
  7. El Eco de Galicia. Diario de la tarde. (1896). Lugo: 10 de setembro, p. 3.
  8. El Eco de Tambo. (1883). Ponte Vedra: 3 de fevereiro, p. 1.
  9. El Gallego. (1880a). Buenos Aires: 4 de janeiro, p. 2.
  10. El Gallego. (1880b). “Inauguracion oficial del ‘Centro Gallego’ de Montevideo”. Buenos Aires: 8 de agosto, p. 4.
  11. El Lucense. (1893). “Noticias Regionales”. Lugo: 15 de março, p. 2.
  12. El Regional. (1893). Lugo: 19 de março, p. 3.
  13. Gaceta de Galicia. (1894). “Noticias de Galicia”. Santiago de Compostela: 25 de outubro, p. 1.
  14. Gaceta de Galicia. (1895). Santiago de Compostela: 3 de dezembro, p. 1.
  15. Jornal do Commercio. (1894). “Theatro Recreio Dramatico”. Rio de Janeiro: 7 de fevereiro, p. 6.
  16. Orfeon Union Orensana. (2007). “Orfeón Unión Orensana. Patrimonio de todos los orensanos”. Blog: 14 de junho.
  17. Rei-Samartim, Isabel. (2020). A guitarra na Galiza. Tese de doutoramento. Universidade de Santiago de Compostela.

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