Vox nostra resonat

A guitarra na Galiza

As orquestras de plectro (4): Vigo

Isabel Rei Samartim
jueves, 30 de mayo de 2024
Retrato de Emma Molins com guitarra (1887). Fonte: Nordmørsmusea. © 2024 by Isabel Rei Samartim Retrato de Emma Molins com guitarra (1887). Fonte: Nordmørsmusea. © 2024 by Isabel Rei Samartim
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Toda a atividade comercial de cordofones dedilhados desenvolvida por Mariano Miguel Alonso desde 1877, depois por Andrés Gaos Espiro e finalmente por Francisco Sanchez Puga tinha de responder a uma demanda explícita da cidade pela guitarra e também devia deixar pegada nas orquestras viguesas do final de século.

A orquestra de plectro do orfeão Oliva

O orfeão Oliva, fundado em 1885 (Abreu, 2012, p. 478) era uma das sociedades mais importantes de Vigo na época. Contava, como era habitual, com secção de teatro. 

Mas também tinha grupo de cordofones, o qual fala do interesse que havia por estes instrumentos na cidade, que era visto como um elemento de prestígio e excelente acompanhamento para as vozes.

Pieza enlazada

Em outubro de 1892 o Oliva atua com a sua orquestra de plectro pelas ruas viguesas na comemoração do centenário dedicado a Cristóvão Colombo (Gaceta de Galicia, 1892). Nos jornais esta orquestra é sempre denominada de rondalla. Sabemos que esse significante castelhano, na Galiza indicava um conjunto musical que não tinha por que incluir cordofones dedilhados e seria equivalente a "grupo" ou "rusga" de instrumentos indeterminados. Porém, neste caso sabemos que a tal “rondalla” do orfeão Oliva era a formada por bandurras e guitarras (El Eco de Galicia, 1896).

Pieza enlazada

Orfeão e orquestra assistiam juntas às festas de Braga, apresentavam-se aos concursos, participavam nas festas locais e organizavam rusgas de entrudo (Gaceta de Galicia, 1896; La Idea Moderna, 1898; 1899). As notícias referenciadas evidenciam a atividade conjunta de ambas as formações. Para o entrudo de 1900, a orquestra do orfeão Oliva organizou uma rusga intitulada Nocturnos e, além dessa, anunciavam-se mais duas, uma chamada de Aragoneses e mais outra organizada por marinheiros (La Idea Moderna, 1900). Sabemos que o pianista e flautista lucense João Serrano, antigo regente do coro Los Amigos da Ponte Vedra, era regente do orfeão Oliva desde 1890 (Leiva, 2012, p. 396).

O regente e violinista Ulibarri

Mas, além da orquestra do orfeão Oliva havia em Vigo, nesta última década do século XIX, outras orquestras de cordofones como a dirigida pelo violinista João Ulibarri Rodriguez, falecido em 1906, de quem a imprensa publica um carinhoso obituário (Noticiero de Vigo, 1906):

Juanito Ulibarry, como aquí le llamábamos todos, era una de las figuras más simpáticas de la juventud de Vigo.
El fué organizador de colectividades artísticas que hicieron papel brillantísimo en nuestras fiestas de caridad.
Su nombre está aparejado á todas estas empresas del arte viguesas y á él le deben su cultura musical casi todos los que en Vigo se han consagrado al divino arte.
Era un violinista notable, que llamaba la atención de los profesores de orquesta que llegaron a esta ciudad al frente de compañías líricas.
Fué sobre todo, por cima de sus méritos como músico, un trabajador incansable, uno de esos luchadores que sacrifican la vida en aras de la actividad que les domina.
De carácter afable, simpático hasta parecer un niño grande, jovialísimo aún en los días en que su salud ya estaba resentida, ha muerto rodeado de la estimación general, llorado por todos los que le trataron y fortalecido por la seguridad de no haber pasado extrañamente para el bien común por el camino de la vida.

Retrato de João Ulibarri em "Vigo y Doña Concepcion Arenal", p. 60. Fonte: Galiciana. © 2024 by Isabel Rei Samartim.Retrato de João Ulibarri em "Vigo y Doña Concepcion Arenal", p. 60. Fonte: Galiciana. © 2024 by Isabel Rei Samartim.

Concertino durante muitos anos da orquestra do Teatro Tamberlick, Ulibarri costumava atuar ali com a sua orquestra de plectro, junto da orquestra de corda friccionada Santa Cecília dirigida por Martin Fayés, e diversos números teatrais (Gaceta de Galicia, 1893). Em 1894 projeta uma excursão ao Porto (Gaceta de Galicia, 1894a). Em 1895 atua no navio acouraçado francês Souffren, junto com a orquestra do barco, onde tocaram entre outras peças uma moinheira de Nuñez, que pensamos seja o músico viguês Francisco Rodriguez Nuñez (El Correo Gallego, 1895). Ulibarri já tinha participado anteriormente deste tipo de atividades ligadas ao âmbito militar.

Retrato da orquestra feminina organizada por Ulibarri, em "Vigo y Doña Concepcion Arenal", p. 28. Fonte: Galiciana. © 2024 by Isabel Rei Samartim.Retrato da orquestra feminina organizada por Ulibarri, em "Vigo y Doña Concepcion Arenal", p. 28. Fonte: Galiciana. © 2024 by Isabel Rei Samartim.

Meses mais tarde, a orquestra de plectro colabora com o obséquio da cidade aos marinhos alemães chegados a Vigo nos buques do príncipe Henrique da Prúsia, abertos às visitas (Gaceta de Galicia, 1895). Como violinista, Ulibarri ganha o segundo prémio no Certame Musical celebrado em Tui em 1896, onde também ganhou o prémio de piano José Gaos Berea, filho de Andrés Gaos Espiro, irmão de Andrés Gaos Berea e sobrinho de Canuto Berea Rodríguez, finado anos atrás. Outro dos premiados nesse certame foi o orfeão Union Orensana (La Opinion, 1896) que temos tratado noutro artigo desta série.

Em 1898, uma semana antes de declarar-se formalmente a guerra de Cuba entre a Espanha e os Estados Unidos, Ulibarri participa numa festa patriótica organizada pelo Gimnasio de Vigo no teatro Tamberlick. Toca a duo acompanhado pela pianista Maria Luisa Moreno, interpretando a fantasia Scene de Ballet do belga Charles Auguste de Bériot (1802-1870). Entre outras atuações, também participa a orquestra de bandurras e guitarras interpretando uma marcha (pasacalle) e uma jota do valenciano Tomás Lopez Torregrosa (1868-1913) e a valsa Loin du bal, composta em 1888 por Ernest Gillet (1856-1940). Entendemos que os arranjos destas peças para orquestra seriam do próprio Ulibarri (La Correspondencia Gallega, 1898). A última notícia das atuações de Ulibarri foi a da apresentação da orquestra do Gimnasio em 1903 (Gaceta de Galicia, 1903).

A orquestra feminina das irmãs Molins

Retrato de Margarita Molins em "Vigo y Doña Concepcion Arenal", p. 62. Fonte: Galiciana. © 2024 by Isabel Rei Samartim.Retrato de Margarita Molins em "Vigo y Doña Concepcion Arenal", p. 62. Fonte: Galiciana. © 2024 by Isabel Rei Samartim.

Mas, o mais interessante da vida artística de Ulibarri tem sido a formação duma orquestra de cordofones com mulheres, que era apresentada como “rondalla” feminina, ainda que no começo contava também com integrantes masculinos. Esta orquestra estava formada pelas jovens integrantes de várias famílias liberais viguesas como a família Del Rio, a família Sequeiros ou a família Molins Fernandez. Esta última foi estudada por Carmen Losada (2023) e também por José Luís Mateo por terem várias integrantes ligadas à música e à pintura.

Em 1897 realiza-se no Tamberlick a homenagem à escritora galega Concepción Arenal (Ferrol, 1820 - Vigo, 1893), que foi um dos grandes eventos vigueses de fim do século. Organizado pelos advogados Alberto Garcia Ferreiro e Vicente Nomdedeu Pardo, presidia como convidado o catedrático da Universidade compostelana, Alfredo Brañas. A orquestra feminina de Ulibarri participou interpretando as valsas de Carl Kiefert (ca.1855-1937) intituladas After the ball.

A música da afamada valsa-canção After the ball foi composta em 1891 pelo nova-iorquino Charles Kassell Harris. Dous milhões de cópias da partitura foram vendidas em 1892 (History Matters). O compositor e regente Carl Kiefert realizou um arranjo para piano que era o que devia conhecer Ulibarri. A orquestra do Gimnasio também interpretou na mesma ocasião as obras La banda de trompetas de Torregrosa, e uma jota da zarzuela La madre del cordero, de G. Gimenez.

Pintura de Elina Molins (1897): Aldeana. Fonte: José Luís Mateo. © 2024 by Isabel Rei Samartim.Pintura de Elina Molins (1897): Aldeana. Fonte: José Luís Mateo. © 2024 by Isabel Rei Samartim.

A formação da orquestra feminina naquela ocasião era: as irmãs Edithe e Florencia Rose, Maria e Josefina del Rio, Paz Oya, Maria Lema, Carmen e Angela Yañez, Isabel Sequeiros, Blanca Cantalapiedra, Margarita Molins e Wenceslina Lobit, além de José e Julio Curbera, Francisco Estens e José Gonzalez, sendo Ulibarri o regente. Edithe Rose e os irmãos Curbera atuaram também como pianistas no mesmo evento, em que participou o orfeão Oliva (El Correo Gallego, 1897; Vigo, 1898). Margarita Molins era irmã de Emma, Elina e Alma Molins, as três pianistas, sendo Elina também uma destacada pintora viguesa. Conservam-se imagens de Elina e Emma a tocarem guitarra, de modo que também devemos considerá-las guitarristas amadoras como a sua irmã Margarita.

Em janeiro de 1902 produzia-se a explosão da caldeira da canhoneira Condor que se achava no porto de Vigo, deixando diversos feridos e falecidos. Durante a Páscoa desse ano, no mês de março, a sociedade Oliva organizou um evento em benefício das famílias das vítimas do acidente onde também participou esta orquestra de plectro feminina, visto que era um dos agrupamentos musicais representativos da cidade (El Ancora, 1902).

Mais regentes de orquestras em Vigo

Contudo, não era Ulibarri o único organizador de orquestras de plectro em Vigo. Um tal Sr. Bautista dirigia a sua própria orquestra chamada de "rondalla de Vigo" (Gaceta de Galicia, 1894b; El Anunciador, 1895). Sem termos constância de serem orquestras de cordofones, também há notícias de orquestras de plectro em 1892, 1895 e 1896 não associadas aos regentes e sociedades anteriores. A de 1895 denominou-se Sociedade Coral Filarmónica e era um conjunto de coro e orquestra de cordofones conformado por crianças menores de doze anos para comemorar o dia das Josefas (19 de março). 

Estava regida por um novíssimo Reveriano Soutullo que em 1895 contava catorze anos de idade (Amoedo, 2019, p. 84). O que no futuro seria um dos compositores galegos mais conhecidos, em 1897 regia o orfeão Galicia de Tui, que também tinha uma secção de orquestra de cordofones (p. 85). A obra de Soutullo para piano Arabesca, publicada em 1911, foi arranjada para conjunto de cordofones em 1933 com motivo da homenagem póstuma ao compositor celebrada naquele ano no Teatro Garcia Barbon (p. 480).

Dositeu Vazquez Gandói

Já no século XX, o luguês Dositeu Vazquez Gandói (ca.1886-1930), íntimo amigo e aluno de Reveriano Soutullo, debutaria com o orfeão da Juventude Republicana de Vigo em 1906 (Gonzalez, 2005, p. 345). Em 1907 organizava a orquestra de plectro Repinicos, nome tomado de uma obra de Francisco Rodriguez Nuñez, grupo com o que Vazquez se fazia famoso na cidade e que o levaria à regência da sociedade coral Oliva no ano a seguir (El Correo Gallego, 1907; El Diario de Pontevedra, 1908). Em Amoedo (2019, p. 349) vemos que a Repinicos ofereceu uma serenata com obras de Soutullo em 3 de julho de 1908.

Em 1913 Vazquez Gandói fundava e presidia a Sociedade de Professores de Música La Filarmónica, que participaria nos anos seguintes com concertos em diversos atos públicos (Noticiero de Vigo, 1913). Supomos que alguns desses atos seriam os recitais no Café Cervantes de Vigo em que participava o noneto do regente (Amoedo, 2019, p. 404, n. 1110), que em 1915 levava o orfeão da Sociedade de Agricultores de Teis, a contar na altura com mais de 80 componentes (El Diario de Pontevedra, 1915). Dositeu Vazquez foi também regente da Orquestra Viguesa em 1926, agrupamento composto por dez professores, em estilo americano, com instrumentos de corda, flauta, oboé, saxofone, trombeta e percussão de jazz (Amoedo, 2019, p. 414).

Gonzalez (2005, p. 346) informa da obra de Vazquez Gandói intitulada Ramon, valsa dedicada a Ramon Gonzalez, rico proprietário e filantropo do Porrinho. Também a rusga de entrudo intitulada Legionarios del Amor, ativa em Mondariz no carnaval de 1930, tocava a música composta por Dositeo Vazquez e a um outro compositor de Vigo, já conhecido dos grupos de guitarras, Santos Rodriguez Gomez (El Pueblo Gallego, 1930).

Dositeu Vazquez Gandói, que morreu em Vigo à idade de 44 anos, casou com Purificacion Dorado e tiveram um filho a quem puseram o nome de Reveriano, como homenagem ao compositor ponteareano (Amoedo, 2019, pp. 218-219). Pois foi grande amigo e copista de Soutullo, compositor do qual arranjou muitas obras para outras formações musicais, entre elas a orquestra de plectro.

Referências citadas

  1. Abreu Fernandez, Pablo (2012). “La edición musical en Vigo en la primera mitad del siglo XX: Manrique Villanueva”. Capelán, Costa, Garbayo e Villanueva (Eds.). Os soños da memoria. Documentación musical en Galicia. Metodoloxías para o estudio, pp. 477-501. Ponte Vedra: Deputação.
  2. Amoedo Portela, Alejo. (2019). El piano en la obra de Reveriano Soutullo Otero (1880-1932). Tese de doutoramento. Valência: Universitat Politècnica de València. .
  3. El Áncora. (1902). “Función benéfica en Vigo”. Ponte Vedra: 26 de março, p. 3.
  4. El Anunciador. (1895). Corunha: 4 de agosto, p. 2.
  5. El Correo Gallego. (1895). “Cartera del reporter”. Ferrol: 28 de maio, p. 3.
  6. El Correo Gallego. (1897). “En honor de Doña Concepción Arenal”. Ferrol: 14 de setembro, p. 1.
  7. El Correo Gallego. (1907). Ferrol: 26 de outubro, p. 1.
  8. El Diario de Pontevedra. (1908). “Apuntes noticieros”. Ponte Vedra: 11 de julho, p. 2.
  9. El Diario de Pontevedra. (1915). “Apuntes noticieros”. Ponte Vedra: 11 de dezembro, p. 2.
  10. El Eco de Galicia. Diario de la tarde. (1896). Lugo: 31 de janeiro, p. 2.
  11. El Pueblo Gallego. Rotativo de la mañana. (1930). “Mondariz”. Vigo: 25 de fevereiro, p. 14.
  12. Gaceta de Galicia. (1892). Santiago de Compostela: 18 de outubro, p. 1.
  13. Gaceta de Galicia. (1893). Santiago de Compostela: 21 de novembro, p. 1.
  14. Gaceta de Galicia. (1894a). Santiago de Compostela: 17 de abril, p. 1.
  15. Gaceta de Galicia. (1894b). Santiago de Compostela: 29 de abril, p. 2.
  16. Gaceta de Galicia. (1895). Santiago de Compostela: 25 de julho, p. 1.
  17. Gaceta de Galicia. (1896). Santiago de Compostela: 23 de junho, p. 2.
  18. Gaceta de Galicia. (1903). Santiago de Compostela: 27 de janeiro, p. 2.
  19. History Matters. (s/d). ““After the Ball”: Lyrics from the Biggest Hit of the 1890s”. Blog.  Ver também
  20. La Correspondencia Gallega. (1898). “Fiesta patriótica”. Ponte Vedra: 16 de abril, p. 3.
  21. La Idea Moderna. (1898). Lugo: 16 de março, p. 2.
  22. La Idea Moderna. (1899). Lugo: 9 de junho, p. 2.
  23. La Idea Moderna. (1900). Lugo: 16 de fevereiro, p. 2.
  24. La Opinión. Diario de Pontevedra. (1896). “Certámen musical de Tuy”. Ponte Vedra: 9 de julho, p. 2.
  25. Leiva Piñeiro, Asterio. (2012). “A banda municipal de Vigo no cambio de século: 1883-1912”. Capelán, Costa, Garbayo e Villanueva (Eds.). Os soños da memoria. Documentación musical en Galicia. Metodoloxías para o estudio, pp. 385-405. Ponte Vedra: Deputação.
  26. Noticiero de Vigo. (1906). “Noticias personales. Los que mueren”. Vigo: 15 de outubro, p. 2.
  27. Noticiero de Vigo. (1913). “De ayer a hoy”. Vigo: 27 de fevereiro, p. 1.
  28. Vigo y Doña Concepción Arenal. El libro de la velada. (1898). Madrid: Viuda e hijos de Manuel Tello. 
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