Vox nostra resonat
A guitarra na GalizaAs orquestras de plectro (5): Ponte Vedra
Isabel Rei Samartim
A história da guitarra na Ponte Vedra é longa e larga, além da grande fonte de informação que são as coleções de música do Museu da Ponte Vedra, em especial as de
O cronista pontevedrês Prudêncio
en las mismas ocasiones y con elementos "caseros", bandurrias y guitarras, nos ofrecían en el portal de la vivienda, desde el anochecer, programas variadísimos de bailables a cuyos sones solían danzar improvisadamente los transeúntes más decididos y bullangueros.
A orquestra de Samartim
Benigno Lopes Samartim (1861-1928), como explicou a pesquisadora galega Milagros Bará (2018), foi pintor, desenhador, caricaturista, violinista, compositor e Oficial da Deputação da Ponte Vedra. Além disso, também foi professor de desenho e um homem de grande senso do humor. Lopes Samartim morou com o seu primo Federico durante a sua juventude na casa da Rua Charinho, a mesma de Javier Pintos Fonseca, com quem mantinha um fluido relacionamento devido ao interesse partilhado sobre a música.
Desse encontro entre Pintos e Samartim, além da composição de dous duos para guitarra que os dous amigos se dedicaram mutuamente, sairiam vários grupos camerísticos pontevedreses. Em 21 de novembro de 1888, Pintos anotava no seu diário a composição do Septeto, conformado pelo próprio Benigno Lopes Samartim (violino), Isidro Puga (violino), Constantino Berridi (flauta), Juan Serrano (flauta), Torcuato Ulloa (piano), Ramon Señorans (guitarra) e Victor Cervera ‘Mercadillo’ (guitarra). Com esta formação participaram na inauguração das funções organizada pela Sección Juvenil interpretando a Marcha turca (terceiro andamento da Sonata para piano Op. 11) de Mozart e o Minueto (do Quinteto de corda Op. 11, n.º 5) de Boccherini. Núria Barros (2015, p. 393) recolhe que mais tarde o septeto virou octeto, com a incorporação do contrabaixo de Federico Samartim.
Em 1º de janeiro de 1889, o Octeto Samartim protagonizou o concerto de Ano Novo no Teatro Principal apresentando um programa de três partes:
1ª parte
- Amor de estudiante, polka de José Gomez Veiga ‘Curros’
- Gavota "Ingénua" de Luigi Arditi
- Marcha turca (3º and. da Sonata Op 11) de Wolfgang Amadeus Mozart
- Quadrilha de Fausto op. 112, por Josef Strauss sobre temas da ópera Fausto de Charles Gounod
2ª parte
- Rouwena, polka de [Benigno Lopes] Samartim,
- Sonho de Henri Rosellen,
- Dança das bacantes de Charles Gounod
- Pavana capricho de Isaac Albéniz
- La Malle des Indes de George Lamothe
3ª parte
- Luz, capricho polka de [Benigno Lopes] Samartim,
- Moraima, fantasia mourisca de Gaspar Espinosa
- Minuetto (op. 11, n.º 5) de Luigi Boccherini
- Pizzicato de Leo Delibes
- Pavana de concerto de Eduardo Lucena
O Octeto Samartim também participou em 17 de março desse ano no concerto em benefício de Joaquin Novás, apresentando na segunda parte as obras Amor de estudiante de Curros, Gavota de Bach, Florinda, capricho de Espinosa e a Danza de las bacantes de Gounod. Nessa velada partilharam o evento com as pianistas Maria Rodriguez, Balbanera Perez e Manuela Doval, além da cantora Lola Comas, o violinista Jesus Garcia, o pianista Juan Manzano e o Orfeão Obreiro, todos anotados por Javier Pintos no seu diário.
Da câmara à orquestra de cordofones
Das reuniões diárias na casa dos Samartim saiu a orquestra de cordofones formada por Benigno Lopes Samartim (violino 1º), Jesus Garcia (violino 2º), Javier Vieira Duran (viola), Constantino Berridi (flauta), Adolfo Vázquez (violoncelo), Torcuato Ulloa (harmónio), Javier Pintos (guitarra 1ª e diretor de guitarras), Ramon Señorans, Victor Cervera ‘Mercadillo’, Rogélio Lamas, Cosme Rupelo e Constantino Lorenzo (guitarras), António Hernani e José Amorim (guitarras portuguesas) e Federico Samartim (contrabaixo). Pintos anotou todos os nomes no seu diário indicando que a fundação da denominada “rondalla” foi em 15 de fevereiro de 1891, estando presentes Victor Cervera, Rogélio Lamas, Benigno Lopes Samartim, Constantino Lorenzo Malvar e o próprio Javier Pintos Fonseca.
Esta formação foi mudando com o tempo, as atuações e as possibilidades, como descreve Nuria Barros (2015). Além do número de integrantes, a certeza de que o conjunto funcionava como uma orquestra temo-la graças ao arranjo de La Malle des Indes op. 161, de George Lamothe, onde Pintos desdobrou as vozes da parte para guitarra. Na coleção de Pintos Fonseca há, ainda, outros arranjos sem título, possivelmente para esta formação, onde as guitarras aparecem desdobradas.
Em 29 de junho de 1891, Pintos anota a seguinte descrição do que era uma das intervenções artísticas do grupo na cidade:
Esta noche, a las 10 1/2 aparecimos en la Herreria los de la Rondalla, tocando sentados en unas banquetas de mano que llevábamos. Al poco rato estábamos rodeados de gente que fué aumentando de un modo considerable. Entre otros números, hemos tocado los siguientes: Guajira de Breton, Sira, polka de Benigno, Bolero (muy bonito) de Ramon Señorans, Polka de Las doce y media y Sereni de Chapí, un pasacalle portugués. Después, dimos varias Serenatas, entre ellos al Alcalde D. Ynocencio Acevedo que nos obsequió con puros; a Ygnacia Mateos, Wence Feijóo, Elisa Carnicero, etc.
A Orquestra Samartim atuou durante o mês de agosto na Ponte Vedra (El Obrero, 1891) e em Vigo, onde colaborou com o Certame musical que se celebraria os dias 30 e 31 de agosto (Gaceta de Galicia, 1891).
O maestro Roman Pintos Amado
Um outro ilustre músico pontevedrês, próximo de Pintos e Samartim foi Roman Pintos Amado, regente do orfeão Los Amigos. Filho do violinista, guitarrista e poeta Juan Manuel Pintos Villar, tio e professor de música de Javier Pintos Fonseca, Roman Pintos Amado dirigia o orfeão quando ganhou em 1883 o certame de Vigo presidido por Enrico Tamberlick, com a alvorada La Viguesa de Francisco Piñeiro. Em 1884 partilhou o primeiro prémio com o orfeão corunhês El Eco, estando no tribunal Braña Muiños. Em agosto de 1884 ganhou também o certame da Ponte Vedra com o hino A la Patria.
Pelo diário de Javier Pintos, sabemos que o seu tio Roman vivia em 1887 na primeira casa da Rua dos Ferreiros, onde oferecia aulas de música, que sendo professor da Sociedade Económica pontevedresa também dirigiu uma orquestra de cordofones de arco que atuou na inauguração da Capela de Lourizão em dia 30 de novembro de 1888, evento em que Javier Pintos colaborou como violino 2º, e que em 11 de fevereiro de 1889 Roman casou com a senhora Clodomira Lois. O orfeão Los Amigos atuou para Alfonso XII e viajou ao Porto em junho de 1889 onde se estreou uma obra dele (El Progreso, 1928). Um estudo sobre este orfeão e o seu regente pode consultar-se em Barros (2015, pp. 367-376).
Outras orquestras no fim do século
Chegado o ano de 1893 havia já várias orquestras de plectro na Ponte Vedra. A Rondalla Escolar estava dirigida por Luís Neira (La Revista Popular, 1893). Dela temos notícias desde março até outubro, mês em que Neira assume também o cargo de secretário do Ateneu Católico (El Lucense, 1893). Aparece alguma informação sobre uma Rondalla Juvenil que achamos seja a Escolar antedita. Já em 1898 há notícia de uma orquestra dirigida por Solla e formada para receber a Tuna de Coimbra em janeiro, que depois volta a ser convidada a participar nos eventos de maio, com o mesmo regente. Até ao 1900 aparecem orquestras de Entrudo e as organizadas para algum evento especial, dirigidas pelos violinistas Sampayo (1897) e Sayago (1899), por Garcia e Taboada (1899), e por Emiliano Tomé (1900). Em Rozas (2005) acha-se uma boa descrição histórica das festas do Entrudo pontevedrês com intensa participação das orquestras de cordofones.
O guitarrista e compositor Ramon Señorans
Mas o músico que comoveu a cidade da Ponte Vedra pela sua sensibilidade na interpretação e na composição, além da sua juventude, foi o jovem guitarrista Ramon Señorans Vieira (Ponte Vedra, 1870-1895). Já o temos visto como cantor acompanhado de piano no Certame das festas da Peregrina de 1886 e como ator em obras de teatro anotadas por Javier Pintos no seu diário.
Regente da orquestra de plectro (1893) e do orfeão Los Trovadores, este talentoso moço era tão querido na cidade que deixou dous sentidos obituários à sua morte, ambos publicados em La Revista Popular, os dias 10 e 20 do mês de julho. No primeiro deles (La Revista Popular, 1895a) há uma importante resenha das composições realizadas por este músico pontevedrês falecido aos 25 anos de idade:
Vino al mundo artístico con brios de juventud y alientos de entusiasmo, y cosechó laureles y gloria. Todos los periódicos de Pontevedra tuvieron continuas frases de elogios para el novel artista que tantas simpatías como buenas amistades supo conquistarse. Deja escritas muchas obras, [...] Las composiciones de este autor ofrecen la particularidad de que siendo todas á cual más originales las acompaña un no se qué encantador, que consigue del público esa simpatia que impulsa al más expresivo encariñamiento con ellas. Como Director del brillante orfeon Los Trovadores, dió gallarda muestra de sus felices disposiciones, alcanzando en el Certamen de Vigo de 1891 el segundo premio, consistente en medalla de plata y 500 pesetas, por la interpretación del coro Adios á Granada de Gaztambide [...].
No segundo obituário, assinado por F. Portela Perez (La Revista Popular, 1895b) talvez o mesmo autor do primeiro, aparece alguma matização e complemento do primeiro texto. De modo que a listagem das obras compostas por Ramon Señorans Vieira, segundo as nossas informações, seria:
- De jaleo, para orquestra de plectro, estreada pela orquestra de Benigno Lopes Samartim em 1891 e tocada repetidas vezes.
- Três Marchas fúnebres, uma delas estreada pela Banda do Hospício da Ponte Vedra em 1893. As outras duas inéditas e também para banda de música.
- Concierto de Brisas, polonesa para piano e dedicada a Eduardo Vincenti.
- Barcarola, para orfeão.
- Serenata, para orfeão.
- Misa a quatro vozes, interpretada em diversas ocasiões pela orquestra de Samartim.
- Al África! passodoble para banda, que interpretou a do Hospício.
- Brisas gallegas, galardoada com diploma de honra no Certame organizado pela Sociedade "Aires d'a miña terra" da Havana.
- Albores, premiada na Ponte Vedra em 1889.
- Bolero, para orquestra de cordofones.
- Vários motetes.
No segundo obituário aparece a data de nascimento de Ramon Señorans: 11 de março de 1870. Lopes Samartim e o tenor, advogado e amigo, José Echeverria, acompanharam o cadaleito. Samartim realizou um retrato de Señorans para lembrança dos familiares e amigos, e o cadáver foi despedido com a orquestra e vozes de Isidro Puga.
As orquestras de cordofones no século XX
Está em andamento a recolha de orquestras de cordofones na Ponte Vedra durante o século XX. Até hoje, resumidamente, pode afirmar-se que durante o primeiro terço do século a atividade deste tipo de orquestras na cidade foi intensa. Mais tarde, na década de 1950, as Juventudes Antonianas, a Secção Feminina e outras entidades ligadas à Igreja ou à Ditadura organizavam os moços e moças galegas sob a sua custódia em orquestras de cordofones, cujo repertório controlavam e ensinavam de maneira sistémica.
Por essa década, na Ponte Vedra destaca o cantor Leopoldo Centeno Samartim, também guitarrista e integrante dum grupo de câmara com guitarras onde estavam os irmãos Temes e outros estudantes no Instituto de Ensino Médio e que se manteve durante vários anos.
Tempo atrás e graças à cara Milagros Bará Viñas, tive a sorte de poder entrevistar o seu pai, o Dr. Salvador Bará Temes (1930-2023), quem se lembrou dos integrantes doutra orquestra de cordofones na Ponte Vedra de 1950-60, deixando anotado do seu punho e letra os seguintes nomes: Penado (guitarra), Corbacho (bandolim), Enrique Andrés (alaúde), Irmãos Carvajal (alaúde e guitarra), Felipe Temes (guit), M. A. Temes (alaúde), Gutierrez, Gerpe, Tesouro e Pereira (bandurras).
Também no final dessa década e já na seguinte atuava na cidade e fora dela a Orquestra ‘Gran Casino’ integrada por três guitarristas (Teófilo, 2012, p. 190). De 1968 é a imagem do atleta e terapeuta José Luís Torrado com guitarra e entre amigos músicos (p. 335). Já na década de 1980 destacaram-se a orquestra de alaúdes ‘Roberto Grandio’ e o grupo Boa Vila, regido por Leopoldo Centeno, que nunca deixou de trabalhar na música (pp. 146-47, 159, 386, 387, 389).
Referências citadas
- Bará Viñas, Milagros. (2018). “Benigno L. Sanmartín, el amante del arte”. Diario de Pontevedra, 16-17 de dezembro.
- Barros Presas, Nuria. (2015). La vida musical en la ciudad de Pontevedra (1878-1903), v. I. Tese de doutoramento. Oviedo: Universidad de Oviedo.
- El Lucense. (1893). “Ateneo Católico”. Lugo: 16 de outubro, p. 3.
- El Obrero. (1891). Ponte Vedra: 12 de julho, p. 4.
- El Progreso. (1928). “Don Roman Pintos”. Ponte Vedra: 12 de junho, p. 2.
- Gaceta de Galicia. (1891). Santiago de Compostela: 24 de agosto, p. 2.
- La Revista Popular. (1893). Ponte Vedra: 10 de março, p. 8.
- La Revista Popular. (1895a). “Ramon Señorans Vieira”. Ponte Vedra: 10 de julho, pp. 2-3.
- La Revista Popular. (1895b). “Ramon Señorans Vieira”. Ponte Vedra: 20 de julho, p. 2.
- Landin Tobio, Prudencio. (1999). De mi viejo carnet. Ponte Vedra: Deputação Provincial.
- Rozas Dominguez, Ramon. (2005). El libro de oro del carnaval de Pontevedra. Ponte Vedra: Lerez Ediciones, SL. Diario de Pontevedra.
- Ruibal Outes, Tomás. (1997). La vida escénica en Pontevedra en la segunda mitad del siglo XIX. Tese de doutoramento. UNED.
- Teófilo Piñeiro, José Luis. (2012). O pasado nunca pasa. Pontevedra. Ponte Vedra: Teófilo Edicions.
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